Várias, hoje, são as
definições para o termo "bem-estar animal", aplicáveis a todos os
tipos de animais, dos silvestres aos de cativeiro, passando pelos de companhia,
os de produção e de experimentação. Embasado nas preocupações sobre o modo como
os animais vivem e são criados, o conceito ganhou força devido a dois fatores:
de um lado, as questões morais, éticas e religiosas, ligadas ao respeito aos
animais, que se sobressaíram em alguns âmbitos; do outro, questões
técnico-comerciais, ligadas ao sistema produtivo e à qualidade final do
produto.
Para a Organização
Mundial de Saúde Animal, bem-estar animal é a forma como o animal lida com o
seu entorno, e aqui estão incluídos sentimentos e comportamento. Para animais
de produção, assume-se que há boas condições de bem-estar quando são atendidas
as "cinco liberdades", que procuram incorporar e relacionar padrões mínimos
de qualidade de vida para os animais como: i) livres de fome, sede e má
nutrição; ii) livres de dor, lesão e doença; iii) livres de medo e angústia;
iv) livres de desconforto; e v) livres para manifestar o padrão comportamental
da espécie.
No âmbito dos sistemas
agroalimentares, a necessidade de remodelação dos modelos produtivos vigentes,
com particular foco nos impactos gerados ao ambiente, fez com que o tema
"bem-estar" emergisse, nos últimos anos, com grande força nos vários
elos da cadeia. A aplicação dos princípios das "cinco liberdades"
possibilitou saltos qualitativos em relação (i) aos sistemas de criação, com
adequações do espaço mínimo disponível por animal, fornecimento de dietas
balanceadas e disponibilidade de sombra em sistemas extensivos; (ii) ao
transporte com embarque sem estresse e em veículos apropriados, determinação de
tempo e distância máximos, sem interrupção, até o abatedouro; e (iii) ao abate,
sem sofrimento, com atordoamento eficaz.
Exemplo prático da
importância do bem-estar animal para a cadeia produtiva de carnes é a
possibilidade de exploração e atendimento de mercados consumidores mais
exigentes, interessados na chamada "grass-fed beef" (carne produzida
sobre pastagens), em que é condição sine qua non tornar tangível (qualidade final
do produto) o intangível (bem-estar). Este tipo de produto com qualidades
particulares é oriundo, na sua maioria, de regiões tropicais. Sua produção,
portanto, deve imprescindivelmente prever práticas de manejo que visem à
proteção contra a intensa radiação solar, com vistas ao bem-estar animal. Isto
porque, conforme o nível de interação "intensidade de radiação solar x
nível de adaptação ao calor do animal", verifica-se maior ou menor
estresse nos animais, com empobrecimento de seu bem-estar e prejuízos ao
desempenho.
De fato, animais
submetidos ao estresse por calor diminuem o consumo de forragem e aumentam o de
água, elevam a frequência respiratória, batimentos cardíacos e taxa de sudação,
tornam-se irrequietos ou ficam deitados por longos períodos, entre outros sintomas.
Destaque tem sido dado
aos sistemas de produção multifuncionais (integração-lavoura-pecuária-floresta,
ou ILPF), que além de possibilitarem a recuperação de áreas e pastagens
degradadas, com baixa produtividade, proporcionam benefícios diretos e indiretos
aos animais, como o fornecimento de sombra e melhoria das condições
microclimáticas e ambientais. Tais aspectos incidem positivamente no bem-estar
dos animais e o jargão "colocar o boi na sombra" - usado na bolsa de
valores quando o investidor ganha muito dinheiro em uma operação, ao ponto de
não precisar mais trabalhar - passa a ser também sinônimo de produto final
diferenciado.
Pesquisas conduzidas
pela Embrapa demonstram que segundo o tipo de árvore (nativa e exótica) e o
arranjo utilizado (linha simples, dupla ou tripla) tem-se diminuição de 2°C a
8°C na temperatura ambiente dos sistemas ILPF, em relação a pastagens sem
árvores. Como resultados diretos do conforto térmico oferecido melhoram-se os
índices produtivos (ganho de peso, produção de leite) e reprodutivos (menor
incidência de abortos, aumento nos índices de fertilidade, maior peso ao
nascer).
Somadas, as melhorias
aportadas pelos sistemas ILPF à ambiência e ao bem-estar animal, cooperam para
o seu fortalecimento como ferramenta na otimização do diferencial da
bovinocultura brasileira – rebanhos à pasto – e auxiliam na sua consolidação
como sustentável no cenário mundial. É verdade, porém, que o conceito
"bem-estar" apresenta escalas de valores que variam em função das
diferentes óticas éticas, temporais, culturais, socioeconômicas. Mas, não se
pode negar que é um caminho sem volta.
Nesse contexto, o
bem-estar animal, junto a temas como responsabilidade ambiental,
sustentabilidade, segurança alimentar e biodiversidade, ganha destaque, e deixa
de ocupar um espaço "filosófico", embasado na ética pessoal, para se
tornar aspecto prático, quantificável e aplicável, passível de ser valorado.
AUTORIA: Fabiana Villa Alves, pesquisadora Embrapa Gado de Corte
gado-de-corte.imprensa@embrapa.br
Telefone: 67 3368-2203
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