O que parece ser apenas um problema ambiental, invisível aos olhos e perceptivo apenas com o passar do tempo, também é uma questão de saúde pública. Expostos ao contato com agrotóxicos – fertilizantes e defensivos químicos usados nas lavouras – os trabalhadores rurais alagoanos estão sendo contaminados e adoecendo.
Sem saber a origem de diversos males que afetam a qualidade de vida, homens e mulheres do campo, que movimentam a atividade agrícola em Alagoas, continuam – até o dia em que o corpo aguenta – a manusear sem quase ou nenhum critério venenos que “ajudam” na produção, mas que afetam a saúde e o meio ambiente.
É assim nas lavouras de laranjas localizadas na Zona da Mata, nas plantações de fumo, abacaxi e hortaliças do Agreste e até nos canaviais das grandes indústrias de açúcar e álcool que estão espalhadas pelo estado.Sem saber a origem de diversos males que afetam a qualidade de vida, homens e mulheres do campo, que movimentam a atividade agrícola em Alagoas, continuam – até o dia em que o corpo aguenta – a manusear sem quase ou nenhum critério venenos que “ajudam” na produção, mas que afetam a saúde e o meio ambiente.
A contaminação é silenciosa. Passa despercebida nos pareceres médicos – que diagnosticam, na maioria das vezes, as doenças sem considerar as causas – e se reflete na mesa dos consumidores alagoanos em forma de frutas e legumes, alimentos que são sinônimos de uma vida saudável.
Foi assim, sem saber do perigo ao qual estava vulnerável, que o agricultor José Feliciano dos Santos (58) foi sendo contaminado pelo contato com os químicos que usou por décadas na lavoura do fumo. “Passei mais de 30 anos na roça usando todo tipo de veneno. Vez ou outra sentia o efeito da intoxicação, que provocava mal estar. Com o passar tempo, comecei a sentir alergias e cansaços e adoeci dos pulmões. O efeito sinto até hoje e nunca fiquei bom”, relata Feliciano ao expor que, durante os exames, o médico levantou a hipótese de que a doença possa ter sido provocada pela manipulação prolongada dos defensivos agrícolas.
Males que foram contornados pelo agricultor familiar Eraldo Antônio da Silva (63). Trabalhando numa usina de cana na década de 80 ele foi um dos primeiros a aplicar no campo um produto conhecido como Roudonp.
“Assim que senti os efeitos desisti logo de ficar na função. Era um trabalho que ninguém queria porque bastava aplicava o produto pelo dia para adoecer ao final da tarde. O cheiro era horrível e não havia como evitar. Depois do contato, ardência nos olhos, dor de cabeça, câimbras e vômitos eram freqüentes. Agrotóxico é coisa para quem tem dois corações”, conta o então agricultor familiar adepto da.
INCIDÊNCIA – E a contaminação provocada por agrotóxicos não é baixa. Quem conhece os efeitos do problema na prática é o presidente da Associação dos Trabalhadores Rurais de Arapiraca, Geraldo Balbino.
Responsável por acompanhar pedidos de licença de saúde e aposentadoria de agricultores, ele diz que é comum o registro na Unidade de Emergência do Agreste de trabalhadores vítimas da intoxicação devido o contato com químicos defensivos e fertilizantes. “Não só na cultura do fumo, mas também de outras lavouras, já foi comprovado por pesquisas que os agricultores do Agreste estão exposto a doenças devido ao uso de agrotóxico. Infelizmente o uso de químicos no plantio é algo cultural.
Tanto, que eles são vendidos muitas vezes sem controle, em qualquer lugar e para qualquer pessoa, e aplicado sem critério algum nas plantações”, revela Balbino.
O resultado, da falta de controle para o manuseio dos “venenos” que prometem excelência de produção, consta na incidência das internações na Unidade de Emergência e nos diversos outros casos que ficam camuflados sem ao menos serem computados pela saúde pública.
“Por ser algo tão comum na vida de alguns agricultores, muitos acabam tratando a intoxicação em casa. Eles ignoram os riscos porque alguns agrotóxicos são traiçoeiros, com efeitos passageiros e consequências que só aparecem depois de anos”, diz o presidente da Associação.
Trabalhador ignora os riscos de contaminação e borrifa veneno sem a proteção adequada |
Uso indiscriminado de químicos ameaça qualidade de vida no campo e nas cidades
“É cultural. A sensação de quem está no campo é que não há como produzir com qualidade sem o uso de agrotóxicos”, diz o presidente do Associação dos Trabalhadores Rurais de Arapiraca, Geraldo Balbino, ao enfatizar que, mesmo com todas campanhas contra o uso de defensivos químicos, muitos insistem na aplicação destes produtos na lavoura até quando não há necessidade.
Todos sabem que os agrotóxicos fazem mal a saúde e ao meio ambiente, mas fazem uso deles até mesmo sem equipamentos de segurança. E isso não acontece por dificuldade financeira. Acontece por falta de cuidado e de concientização”, diz.
A desatenção com os agrotóxicos custa caro. E em alguns casos as consequências podem ser irreversíveis. É o que explica o gerente-geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Luis Cláudio Meireles.
“Os agrotóxicos são substancias perigosas. Por isso, o governo federal estabeleceu uma política de segurança visando a saúde e a proteção do meio ambiente para tentar conter casos de contaminação que podem afetar a população do campo (agricultores) e da cidade (consumidores)”, conta Luis Cláudio ao relatar que o esforço conjunto de entidades do governo (Ministérios da Saúde e Meio Ambiente) visa intervir no uso abusivo dos químicos, na comercialização de substâncias proibidas, no risco de contaminação do meio ambiente e no controle da quantidade de resíduos destes venenos existente nos alimentos.
“Reduzir a exposição da população a estes tipos de venenos é algo que reflete na saúde pública e na preservação dos ecossistemas. Já existem no Brasil pesquisas que comprovam que há mais casos de câncer em áreas rurais que urbanas. Mesmo as cidades comprometidas por conta da poluição, os danos causados pelos agrotóxicos no campo conseguem ser mais danosos”, acrescenta.
“Isto ocorre porque este químicos criados para combater pragas deixam resíduos no ambiente, contaminando facilmente o solo, o ar e água. Eles se espalham com facilidade pelo vento e atingem até lençóis freáticos e áreas que o contagio parecia improvável”, completa o toxicologista.
Quanto à incidência de contaminação humana pelos agrotóxicos, Luis Cláudio alerta que o processo não é algo imediato. “Não se morre após comer uma fruta com resíduos destes venenos. A preocupação é com o acúmulo deles no organismo ao longo dos anos”, diz. “Há um risco maior, contaminação aguda, para quem manipula diretamente estes produtos. Principalmente, porque o agricultor além de manusear o químico também come do produto borrifado pelo tóxico. Portanto, o importante é evitar usá-los ou reduzir ao máximo o nível da dosagem”, acrescenta.
Alagoas o uso de agrotóxicos é intenso em diversas lavouras |
Anvisa constata que agricultores fazem uso de produtos inadequados
O último levantamento sobre a presença de químicos em alimentos comercializados no país foi realizado em 2010. Na ocasião, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) constatou que os produtores rurais têm usado agrotóxicos não autorizados no plantio de diversos alimentos.
No relatório elaborado pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos (Para) a Anvisa examinou 2.488 amostras de alimentos. Destes, 28% apresentaram resultado insatisfatório para a presença de resíduos dos produtos. O restante, 605 (24,3%) amostras estavam contaminadas com agrotóxicos não autorizados.
Quando o uso de um agrotóxico é autorizado no país, os órgãos responsáveis por essa liberação, indicam para que tipo de plantação ele é adequado e em que quantidade pode ser aplicado.
Em 42 amostras (1,7%), o nível de agrotóxico estava acima do permitido. Em 37% dos lotes avaliados, não foram detectados resíduos de agrotóxicos. Assim, na avaliação final do Para a conclusão de que “Os resultados insatisfatórios devido à utilização de agrotóxicos não autorizados resultam de dois tipos de irregularidades, seja porque foi aplicado um agrotóxico não autorizado para aquela cultura, mas cujo [produto] está registrado no Brasil e com uso permitido para outras culturas, ou seja, porque foi aplicado um agrotóxico banido do Brasil ou que nunca teve registro no país, logo, sem uso permitido em nenhuma cultura”.
Agrotóxicos são comercializados indiscriminadamente
Seja na capital alagoana ou no interior do estado basta o interessado pagar para levar um químico defensivo ou fertilizante para casa. O correto é que o produto – independente da classificação de risco – só deveria sair da prateleira com “receituário”, expedido por um técnico agrícola ou agrônomo.
Divididos em quatro faixas de níveis de contaminaão, os critérios para compra, transporte, manipulação e aplicação, guarda e descarte das embalagens dos agrotóxicos possuem recomendações diferentes. Normas de segurança que nem sempre são seguidas a risca por quem os manipulam.
Na lavoura de hortaliças do produtor Thiago Santos Silva, em Arapiraca, que trocou a plantação de fumo pelas verduras, a borrifação com o agrotóxico D6 – de tarja verde, porém de menor risco tóxico – é feita semanalmente.
A aplicação serve para proteger a plantação de alface, cebolinha, coentro e couve de pragas que atacam a folhagem reduzindo a chance de competitividade no mercado. O produto é comercializado na Ceasa, de onde segue para outros pontos de vendas de Maceió e outras cidades do interior. “Se a folhagem não estiver bonita, fica difícil de vender. Portanto, não há como evitar o uso de produto químico. Costumo usar sempre o mais fraco, porque sei dos riscos. Além disso, quinze dias antes de seguir para a venda, por motivo de segurança, a lavoura não recebe mais nenhuma borrifação”, conta Thiago.
Ele enfatiza que já chegou a perder uma plantação de couve, devido a uma praga, para não usar um veneno mais forte. “Isso que fiz poucos fazem. Havia um defensivo capaz de defender a plantação. Mas não era seguro. Temos o cuidado com a aplicação de agrotóxicos aqui porque o mesmo produto que vendo é o mesmo que vai para mesa da minha família”, diz Thiago, ao revela que há na região produtores que plantam lavouras para vender – com alta dosagem de defensivos – e outras separadas para comer.
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